O Teatro de Dons Aristogatos
O teatro de Dons artistogatos
Acto I
Cena I
Na página da bicharada, recém inaugurada para acolher animais em quarentena, entra uma dupla de aristogatos – a saber, são gatos emproados com trejeitos de burgueses – o distinto Dom Shiva e o ilustre Dom Ramelinha. Sentam-se cautelosamente num recanto da página pois não são dados a convívios. Na verdade há que esclarecer: Dons aristogatos são pouco sociais, muito pomposos e nada discretos. O seu passatempo preferido, além de dormir 20 horas e tomar 10 banhos por dia, é comentar – diria mais: é criticar! – o que está bem, o que está mal, o que está bem e mal, o que nem mal nem bem está. Assim, discutir, falar, maldizer como quem tem pouco que fazer – estão a ver? ;)
Antes de lhes conceder a palavra – afinal, não obstante o génio e a têmpera destes dois, são cumpridores do seu ofício que, no caso, é expor a sua altiloquência a reclamar por tudo e por nada e por nada e por tudo – vou- apresentá-los:
- Dom Shiva é um gato portentoso e nervoso. É também bonacheirão e guloso. Gosta de livros e de papéis e de brincar com bolas e elásticos. Não é nada sociável com os humanos e outros bichos.
- Dom Ramelinha, embora mais pequeno, tem porte de atleta. Faz muito exercício, como trepar estantes, frigoríficos e armários de cozinha e é um caçador temeroso para moscas e lagartixas. Gosta de comida gourmet como alface, bolo de arroz, azeitonas e bolacha-maria e é muito sedutor. Convive com toda a gente, humanos, gatos e até cães da vizinhança.
Há que dizer também que… hã, que se passa?! Oiçam, parece que alguém está impaciente:
“Dom Shiva – mas esta humana nunca mais emudece? Tanto colóquio para quê?”
Bem, é esta a minha deixa para ceder o protagonismo a quem é devido. E mais, estando em tempo de assear muito as mãos, declaro que o narrador lava as suas de qualquer responsabilidade do que estes dois possam vir a dizer.
(parece que já se aquietaram num dos mirones da página a observar os outros animais…)
Dom Ramelinha – Olha, a humana já se calou. Se ainda tivesse a nossa graciosidade e distinção, mas passa o tempo a desbocar inutilidades… (cala-se de repente, pasmo e boquiaberto) - Já viste bem quem está na sala da página? Quem são estes?
Dom Shiva – ah, não sabes? Pois, se em vez de andares atrás das lagartixas, guardasses livros como eu saberias de quem se trata.
Ali, sentada na poltrona vestida de rosa, está uma porquinha…
Dom Ramelinha- isso come-se?
Dom Shiva (zangado)- quem come porquinhos são os humanos desajuizados, estouvados, imprudentes, malvados, mal-amanhados…
Dom Ramelinha – já chega, Shiva, não queremos já espantar a nossa plateia com tanto palavreado difamatório, certo?
Dom Shiva (a recompor-se do seu aborrecimento) - sentada ao lado Miss Porchichona, está o sapo Beltrão; constou-me que ele está enamorada há muito e que o sapo…
Dom Ramelinha (empolgado, cortando a narrativa de Dom Shiva) – aquele sapo deve ser um bom pitéu. Tenho de lhe estudar aqueles saltos e antecipar a minha investida, não se vai ficar a rir com as minhas artes de caça.
Dom Shiva (indignado) – Mas tu estás apalermado? Não foste contratado para esta página para caçar!
Dom Ramelinha – Ah… não se pode caçar aqui? Então e aquela galinha Piri-piri? E aquela piriquita Dona Cuquita ? Vão ficar a rir –se de mim? De mim, Dom Ramelinha o maior predador que o Caniço já conheceu?
Dom Shiva (mais ponderado e em surdina) – tem calma, Ramelinha. Somos aristogatos, lembras-te? Não perdemos a compostura. Claro que no fim havemos de caçá-los a todos, mas até lá disfarcemos, controlemos os instintos… percebes? Nada de te empolgares ou acabas por espantar a fauna toda!
Dom Ramelinha (acossado) – aquela coruja está a rir de mim, Shiva! Dá-se a ares de sábia, é? Há-de ver quem se ri no fim!
Dom Shiva – É uma intelectual. Muito sábia. Temos de a ter debaixo das garras… quero dizer, dos olhos, debaixo dos olhos.
Dom Ramelinha- e aquela que mais parece um rochedo quem é?
Dom Shiva- quem a vaquinha? É dona Macela, uma poeta rural, não nos deve atrapalhar. Já do cão Piruças não direi o mesmo, nem do irrequieto macaco Zacarias. Olhos neles, Ramelinha. Ramelinha? Ramelinha? Estás a ouvir-me? Pares amouriscado!
(Dom Ramelinha estava absorto a olhar fixamente para um selim no centro da sala da página).
Dom Ramelinha (enamorado) – quem é aquela Shiva? É uma das nossas não é?
Dom Shiva – ah, aquela (suspira), é a gata Chiara. (outro suspiro).
(feitas as apresentações das personagens da página, passaremos em breve para a cena 2 do 1º Acto com dons aristogatos enamorados pela gata Chiara)
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Apresentação :
Somos o Ramelinha e o Shiva – bem, na verdade têm de nos tratar por “dons” ou senhores, se quiserem aligeirar – é que nascemos naturalmente “aristogatos”, mas damos por nós a ser republicanos, uma chatice que nos coloca muitos problemas e dilemas. Adiante:
- Eu, Shiva sou gordinho (mas não guloso), bonacheirão mas também muito ansioso. Gosto de festinhas na barriga e… (em surdina, confesso) da minha subalterna humana.
- Eu, Shiva sou gordinho (mas não guloso), bonacheirão mas também muito ansioso. Gosto de festinhas na barriga e… (em surdina, confesso) da minha subalterna humana.
- Eu Ramelinha sou atlético (não engordo, embora dado a guloseimas de fusão como alface com bolo de arroz e outras). Gosto de caçar e de ensinar a minha humana a arrumar gavetas, despejando-as para que ela as volte a organizar.
Somos ambos bilhardeiros (perdão, perspicazes e atentos!) e não deixamos escapar uma crítica (perdão, corrigimos: comentário, análise!) sobre a actualidade, sobretudo a que se vai decorrendo na sala da "Bicharada em quarentena”



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