A Cuquita Periquita responde à Gata Chiara






























Gata Chiara,

Peço que me desculpe pela demora na volta do correio. Ainda estou a refazer-me do susto que me provocou: nunca pensei que uma Gata, de porte tão altivo e majestoso, se quisesse corresponder comigo, uma pequena Periquita. Não que eu tenha medo de si, ou do seu instinto felino, porque eu fui sempre ensinada que, apesar de diferentes, somos todos iguais, e que a beleza do mundo está precisamente nas diferenças que nos unem. Senão veja: apesar de viver numa casa de aves (um verdadeiro desafio à sua essência, suponho!), a minha família é bastante diversificada, diria mesmo inclusiva! Sou filha de um Bis Bis com uma Cagarra, tenho uma irmã Garça e uma avó Coruja. Vivemos muito felizes e acreditamos que a vida tem mais sentido quando conjugamos toda a nossa diversidade. Por isso, não me espanta que seja possível ser amiga de uma Gata, mesmo uma assim, com esse porte, que a Chiara tem, de caçadora nata, astuta e infalível, desde que a Chiara seja feita de bons sentimentos, daqueles que nos aquecem o coração como se fossem chocolate quente, num dia de inverno.
Sabe, Chiara, estes dias têm sido muito estranhos. Estamos, há mais de uma semana, sem sair de casa, o que até tem sido uma verdadeira animação: a minha irmã, a Garça Cusca, saltita dia e noite pela casa, em pontas de patas, qual uma bailarina. Quando se farta, enfia nas patas, umas rodinhas brilhantes que transformam as suas patinhas ligeiras em mais um par de asas. Estica o pescoço, empina o nariz, ganha uma postura esbelta e altiva e lá vai ela, voa como quem desliza, salta e rodopia, eleva-se no ar e logo volta ao chão em piruetas de cortar a respiração. Eu, que ainda sou uma Periquita muito pequenina, fico coladinha ao chão a babar-me de tanto espanto até que, do outro lado da sala ouve-se alguém resmungar: é a Coruja Rabuja que logo reclama e nos faz ficar em sentido. É que a avó, por vezes, não é lá muito paciente e logo solta um estridente “Chega!”. Os adultos são assim, vivem numa dimensão diferente da das crianças, pouco dados a euforias, talvez como a Dona Chiara, que confessa já ter perdido um pouco da euforia juvenil. Sabe, amiga Chiara, este ser de criança é coisa que nunca devíamos perder, é aquilo que dá mais cor à vida. Sem este fulgor, as nossas cores naturais esmorecem, mas com certeza ainda não será o seu caso, que pelo desenho que vi, ainda é uma gata muito vívida, de um laranja-acobreado brilhante. A Dona Chiara é mesmo muito bonita! Penso que agora quem se assustou foi a Dona Chiara, é que eu sou uma Periquita ainda muito novinha, mas com a perspicácia de um qualquer crescido! Penso que isso também não será um entrave à nossa amizade, até porque a Dona Chiara já tem experiência em lidar com petizes como o seu “mordono”.

Dona Chiara, só mais uma coisa, não sei se consigo tratá-la por “Tu”, mas prometo tentar.
Gostei muito destas duas penas de conversa. Fico a aguardar notícias suas. Já agora, poderia contar-me algumas peripécias do seu “mordono”? Como é ele? Olhe que é muito mais velho que eu, mas ia adorar conhecê-lo um dia. Por agora não é possível, temos que ficar seguros nas nossas casas, enquanto uma legião de super-heróis, tal como a Liga da Justiça, todos os dias combate o perigo invisível, que está lá fora à espreita. Sabe, eu bem lá no fundo sei que vai correr tudo bem e que não tarda nada vamos todos sair livremente, ainda mais felizes e com mais amigos do que antes. Sabe, acredito, do fundo do meu coração que o mundo será um lugar ainda melhor para viver…
Envio-lhe um abracinho carinhoso e prometo voltar num bater de asas.

Da sua,
Cuquita Periquita


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