A Vaca Macela está em quarentena no pasto!
Querida amiga,
Perdi a conta aos dias
que já passaram desde a última vez que te escrevi. Na verdade, não é bem perder
a conta uma vez que nunca os contei. Até agora só os vi de relance, por entre
as frestas da porta do meu palheiro, mas agora estou feliz e espero que te
encontres tão bem quanto eu. No momento em que te escrevo, ainda com alguma
dificuldade em focar a vista e a mente, estou cá fora, ao sol e gosto tanto. Como
tu bem sabes, nunca pastei, nunca caminhei por entre o mato ou sobre as ervas
do prado, nunca cortei para comer, nunca vi o dia nascer do palheiro escuro de
pedra, onde cresci. Já com a minha mãe foi assim. Mas agora, ainda sem saber ao
certo o que lhes deu, puseram-me cá fora, na cerca, ao sol e gosto tanto. Assim
como vieram, foram. Apressadamente, mas ainda lhes ouvi dizer, um para o outro,
que foi preciso vir esta doença, esta desgraça que os trancou em casa, com a
mulher, que passa a vida a resmungar, por ele não saber o que fazer dentro de 4
paredes, para entender o valor de estar na rua. Ao menos tem a terra para
cuidar, disse. Talvez por isso, libertaram-me e agora estou ao sol e gosto
tanto. Quando o tempo é de chuva, porque o frio da nossa terra não me incomoda,
abrigo-me debaixo das árvores e viro a cauda ao vento. Eles provavelmente não
sabem, mas assim fico mais confortável do que dentro do palheiro, que é húmido,
escuro e apertado. Sei porque o fazem. Para recolher o estrume que lhes
fertiliza a terra e alimenta as verduras da fazenda, mas por outro lado têm
mais trabalho, a apanhar, todos os dias, a erva que me deitam na manjedoura.
Por isso, muitos deixaram de o fazer. Optaram por comprar os adubos, feitos nas
fábricas e que vêm de fora, mas o pior é que agora a erva cresce selvagem. Se
uns queimam-na com veneno, chamam-lhe remédio, outros deixam-na estar e o mato
acumula-se e às vezes, muitas vezes, arde. Mas deixemo-nos de tristezas, que
para mim, o tempo é de alegria. Pior, ouvi-os também dizer, são os que estão na
cidade. Fechados e sem nada para fazer, a não ser passear os bichos que servem
de desculpa para saírem à rua, ir ao médico, e acho que vão muitas vezes, e
comprar comer. Parece que nem a verdura para a sopa produzem lá e se os nossos,
os do campo, não produzirem, falta tudo. Agora parece que é vê-los dar grande
valor aos agricultores. Chegará o tempo em que até ovelhas, cabras e outra
bicharada vão querer ter por perto. Para se sentirem seguros. A mim não me
convencem. Sobretudo agora que estou ao sol e gosto tanto. Ainda hoje falavam
que quando tudo isto acabar, vão fazer de outra forma. Oxalá. Para dentro já
não volto. Julgo que o mundo tem destas coisas, o mundo ou os homens não sei, às
vezes precisam perder para dar valor ao que tinham. Mas agora vai correr tudo
bem, porque estou ao sol e gosto tanto, tanto.
Beijos. Darei notícias,
assim que receber resposta tua.



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